Leia e releia até entender... e concorde se achar que deve...
Céu e Inferno...
Como se vê, o resultado da adoção do discurso de céu e inferno é precisamente o oposto daquele que, acabamos de ver, ocasionou a distribuição do espírito subversivo de Pentecostes. Em Atos a boa nova é a transformação do mundo; no discurso de céu e inferno a boa nova é que este mundo não precisa ser transformado. Em Atos a boa nova origina uma comunidade não-condicionada que representará constante ameaça ao estado de coisas, estando destinada a “virar o mundo de cabeça para baixo”; no discurso de céu e inferno, a boa nova é usada para legitimar e sustentar um estado condicionado de coisas, seqüestrando o apelo universal da imagem de Jesus enquanto garante que os efeitos de sua popularidade se mantenham sob controle.
Não é de estranhar, portanto, que no livro de Atos céu e inferno permaneçam à margem do discurso da comunidade do reino, porque seus membros tomam por absolutamente central manter vivo neles mesmos o caráter não-condicionado de seu mestre. Permanecerão uma comunidade viva, no sentido em que estarão inteiramente mergulhados na solução das questões sempre cambiantes desta vida. Nada que possa ser usado como ferramenta de dominação fará parte do seu vocabulário ideológico, porque a boa nova deverá permanecer libertadora em todos os sentidos.
Foi precisamente dessa forma que os romeiros de Pentecostes entenderam a sua vocação; não como a certeza da vida eterna no céu, mas como a certeza da urgência dos desafios desta terra. Sua conversão não estava fundamentada na esperança do paraíso, que pelo que sabemos não foi nem sequer mencionado (no livro de atos). Quem investe todo o conteúdo da sua fé na garantia de uma felicidade futura age como quem não tem pressa, e a postura dos revolucionários do reino é de absoluta urgência. Por isso despojam-se radicalmente de todo embaraço, por isso estão sempre juntos, por isso prestam contínua assistência uns aos outros e a todos que estão chegando: o céu pode esperar, mas a cura deste mundo exige atenção imediata.
(Fragmentos de um texto retirado do Bacia das Almas)
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